ABONG *
Adital -
Por Maria da Penha Maia e Paulinha Castro
O caso Eliza Samúdio tem ocupado nos últimos dias amplo espaço na mídia nacional. O país assiste boquiaberto o desfecho desse bárbaro crime. Mais uma vez a vítima é uma mulher e mais uma vez conta-se a mesma história onde a vítima passa a ocupar o lugar do algoz. A condição de mulher agredida dá lugar ao desrespeitoso status de mulher vulgar e promíscua.
Contudo, tal condução não é motivo pra espanto. Essa postura é bem típica da sociedade brasileira. Em qualquer crime contra a mulher invoca-se imediatamente sua vida privada e o julgamento acaba despencando para o lado moral. A ideologia jurídica e moral socialmente aceita continua a impor como regra as mulheres padrões de comportamento que julga como corretos. Quem não lembra do caso Ângela Diniz? Trinta e quatro anos depois continua presente em grande parte da sociedade brasileira a atitude de naturalizar o comportamento agressivo dos homens, que acreditando ser superiores as mulheres, pensam que podem delas dispor como bem quiserem,, trata-las violentamente e até mata-las , pois acreditam também eles que por serem homens estão acima do bem e do mal.
A caminhada de luta, em defesa das mulheres, nos tem mostrado dia a dia que continuamos a pisar em solo árduo.
Os atores sociais responsáveis por impor limites aos agressores insistem na fria interpretação dos códigos e das leis.
A observância do devido processo legal, em nome da tão cultuada segurança jurídica continua a mascarar decisões de legalistas que avessos ao superior interesse dos direitos humanos das mulheres, agarram-se ao normativismo fazendo dessa postura dogmática um entrave para o acesso das mulheres a justiça.
Permanece dormitando nas gavetas dos representantes do estado o desesperado pedido de proteção das mulheres, que vencendo as barreiras do medo e da vergonha, até eles chegam para noticiar suas amargas experiências.
A Lei Maria da Penha, conquista histórica das mulheres vem sendo alvo de interpretações esdrúxulas, contrárias a vontade do legislador. Cultua-se a lei e esquece-se da práxis humana. Esquece-se do devido processo social.
A Lei Maria da Penha, instrumento jurídico que promove o acesso das mulheres a justiça, tem como cerne a sua efetiva proteção quando atingidas pela violência de gênero, baseada no sexo, que atinge as mulheres apenas pelo fato de serem mulheres. Portanto, preconceitos ideológicos que pautam a Lei Maria da Penha, dividindo e segregando as mulheres, limitando sua abrangência apenas a relacionamentos duradouros devem ser de pronto abolidos, pois tem legitimado o comportamento agressivo de feminicidas em potencial.
A LMP deve ser analisado a partir da dura realidade que as mulheres enfrentam. Não só banalizam a Lei Maria da Penha, como a maculam e a cospem na lata do lixo, aqueles(as) que em nome da legalidade a interpretam reproduzindo um juízo de valor conservador, machista, patriarcal e opressor. Eliza Samúdio é mais uma das muitas mulheres brasileira que são traídas pelo próprio Estado., que não a protegeu quando buscou ajuda , que contribuiu para que seus agressores acreditassem que nada os podia deter, nem o poder do próprio Estado, Estado esse que permaneceu omisso ante a denúncia de violência e coerção que a atingiu na sua .condição de pessoa humana, e pior ainda não aplicou as medidas legais que lhe garantiam proteção quando foi ameaçada de morte.
Os longos anos de experiência nos permitem afirmar que enquanto não entendermos que a violência contra mulher tem suas raízes na opressão que os homens exercem sobre elas, enquanto o Estado não assumir o seu verdadeiro papel de garantir a segurança das mulheres ameaçadas, e enquanto a sociedade continuar a legitimar a cultura machista, muitas mulheres ainda terão sacrificados seus corpos e suas vidas.
A sociedade continuará a conviver com tantos outros Brunos, homens comuns, empresários, esportistas, pseudocidadãos. Às mulheres restará apenas a dor e vergonha.
* Associação Brasileira de Organ
(fonte: http://www.adital.com.br/)
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