sexta-feira, 29 de julho de 2011

A Lei Maria da Penha

Luiza Nagib Eluf

Em maio de 1983, em Fortaleza, Ceará, uma mulher chamada Maria da Penha, farmacêutica de profissão, dormia inocentemente em sua cama quando foi alvejada por um tiro de espingarda, disparado por seu próprio marido, o economista Marco Antonio Heredia Viveiros, colombiano naturalizado brasileiro. O tiro atingiu a coluna vertebral da mulher e, embora não a tenha matado, a deixou paraplégica. Na época, o marido negou a autoria do disparo e o atribuiu a um suposto assaltante. Maria da Penha ficou internada durante uma semana e, depois, voltou para casa. Marco Antonio, então, decidiu tentar matá-la outra vez. Descascou os fios do chuveiro elétrico do banheiro destinado ao casal e passou a tomar banho em outro banheiro, até que Maria da Penha sofreu um choque elétrico de grandes proporções. Ainda assim, não morreu, mas teve, então, certeza de que era o próprio marido o autor das agressões. Marco Antonio foi levado a júri em 1986 e acabou condenado. No entanto, a defesa recorreu e o júri foi anulado, por falha processual. Novamente julgado em 1996, o agressor pegou 10 anos e 6 meses de reclusão. Houve apelação até os tribunais superiores, e Marco Antonio ainda permaneceu livre até 2002 quando, finalmente, foi preso, passados 19 anos da primeira tentativa de homicídio. Atualmente, porém, já beneficiado pela progressão no regime prisional, cumpre pena em liberdade e reside no Estado do Rio Grande do Norte. A demora na punição e a falta de rigor no tratamento desse tipo de delito levaram as organizações feministas a apoiar Maria da Penha na formulação de reclamação da ineficiência da Justiça brasileira na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em que, aliás, há outras petições de providências envolvendo assassinatos de mulheres no Brasil. Diante das reiteradas reclamações envolvendo o País, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos elaborou o relatório nº 54/2001, que documentou a trágica situação da nossa população feminina em termos de violência doméstica. Com base nesse relatório e no clamor dos movimentos sociais, foi elaborada uma lei específica para combater a violência praticada contra a mulher dentro da própria casa. A bancada feminina no Congresso Nacional, capitaneada pelas deputadas federais Jandira Feghali, do Rio de Janeiro, e Iara Bernardi, de São Paulo, elaborou projeto de lei com vistas a melhorar a prestação jurisdicional em caso de violência doméstica. O projeto foi debatido em todo o Brasil e o resultado final foi a Lei nº 11.340/2006, que mudou definitivamente a situação da mulher vítima de violência em território nacional. Foi um avanço considerável para eliminar as injustiças que vinham sendo praticadas e deve ser comemorado como demonstração de civilidade. Essa nova lei foi batizada de Maria da Penha, em homenagem à mulher que se tornou um símbolo de resistência à crueldade masculina. A Lei Maria da Penha protege especificamente a mulher e determina a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, afastando a aplicação da Lei nº 9099/95 (Juizados Especiais Criminais) e estabelecendo importantes medidas de proteção à população feminina. Tais dispositivos, portanto, não abrangem os homens, o que causou, no princípio, alguma discussão sobre a constitucionalidade da lei que, de certa forma, discrimina a população masculina ao não determinar medidas de proteção ao marido ou ao companheiro. A realidade mostra, porém, que os homens não precisam de proteção contra a violência das mulheres, pois não são diuturnamente espancados dentro de suas próprias casas e sua superioridade física dispensa a proteção do Estado. Evidentemente, a Lei Maria da Penha determina uma discriminação positiva, chamada de ação afirmativa, como as cotas nas universidades ou nos partidos políticos, a fim de reparar injustiças seculares contra um enorme contingente de pessoas. Esse tipo de tratamento especial não fere nenhum princípio constitucional, pois o que a nossa Constituição proíbe é a discriminação que causa prejuízo, que humilha, oprime, espolia e viola direitos humanos. Não é, absolutamente, o caso da Lei nº 11.340/2006. De forma abrangente e bem descrita, a Lei Maria da Penha protege a mulher das variadas formas de violência que ela pode sofrer dentro da família: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, no papel de esposa, filha, mãe, irmã ou enteada. Em todos esses casos, o agressor poderá ser preso em flagrante. Caberá, também, prisão preventiva por determinação judicial. A lei prevê, ainda, medidas de urgência, que poderão obrigar o agressor a deixar o lar imediatamente; proibi-lo de se aproximar da vítima e das testemunhas até determinada distância mínima, estabelecida em metros, ou mesmo proibição de falar com a ofendida, ainda que por telefone; pagamento de pensão alimentícia; suspensão da posse ou porte de arma, caso ele tenha uma; determinar a separação de corpos ou o afastamento da mulher do lar sem prejuízo dos seus direitos aos bens do casal, guarda dos filhos e alimentos. Pode o juiz, se entender necessário, encaminhar a mulher e seus dependentes a programa oficial de proteção. O amparo à mulher vítima de violência doméstica é o primeiro passo para combater todas as outras formas de violência que assolam nossa sociedade, pois a criminalidade, muitas vezes, começa dentro de lares nos quais não se pode viver em paz. Para as crianças e adolescentes, a nova lei será um verdadeiro bálsamo, pois cuidar da mulher é cuidar de seus filhos, da nova geração. Luiza Nagib Eluf é procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo ---Publicado em O Estado de S.Paulo, 21/04/07.

Fonte:( http://www.violenciamulher.org.br/).

quarta-feira, 20 de julho de 2011

As formas de violência contra a mulher





Quanto às formas de violência contra a mulher, as mais comuns são a física, que é o ato de provocar lesões corporais possivelmente diagnosticáveis, tais como cutâneas, neurológicas, oculares e ósseas, provocadas por queimaduras, mordidas, tapas, espancamentos, ou qualquer ação que ponha em risco a integridade física da mulher.


Outra forma de violência praticada contra a mulher é a sexual, que corresponde a qualquer forma de atividade e prática sexual sem seu consentimento, com uso de força, intimidações, chantagens, manipulações, ameaças ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal, como, por exemplo, forçar a prática de atos sexuais que lhe desagradem ou criticar seu desempenho sexual, e até obrigá-la a ter relações sexuais com outras pessoas.

 
A violência emocional ou psicológica é evidenciada pelo prejuízo à competência emocional da mulher, expresso através da tentativa de controlar suas ações, crenças e decisões, por meio de intimidação, manipulação, ameaças dirigidas a ela ou a seus filhos, humilhação, isolamento, rejeição, exploração e agressão verbal.

Sendo assim, é considerado violento todo ato que cause danos à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal, como por exemplo, negar carinho, impedi-la de trabalhar, ter amizades ou sair de casa. São atos de hostilidade e agressividade que podem influenciar na motivação, na auto-imagem e na auto-estima feminina.
 Outro tipo de violência é a patrimonial, que resulta em danos, perdas, subtração ou retenção de objetos, documentos pessoais, bens e valores da mulher.



Esta forma de violência pode ser visualizada através de situações como quebrar móveis ou eletrodomésticos, rasgar roupas e documentos, ferir ou matar animais de estimação, tomar imóveis e dinheiro, ou, até, não pagar pensão alimentícia.
No que se refere à violência psicológica, o isolamento é uma de suas principais formas de manifestação. Nesta prática, o homem busca, através de ações que enfraqueçam sua rede de apoio, afastar a mulher de seu convívio social, proibindo-a de manter relacionamentos com familiares e amigos, trabalhar ou estudar.
O objetivo primário do isolamento social é o controle absoluto da mulher, já que, ao restringir seu contato com o mundo externo, ela dependerá ainda mais de seu parceiro, tornando-se submissa a ele.




As primeiras tentativas do homem para efetuar o isolamento da mulher se dão por meio da manipulação, arranjando situações como, por exemplo, marcar outros compromissos para impedi-la de ir a reuniões familiares ou de amigos, ou por meio de acusações de não estar cuidando bem da casa ou dos filhos.

Quando a manipulação não funciona, o agressor recorre ao despotismo, dando ordens expressas do que ela deve ou não fazer e, por fim, apela para a intimidação, ameaçando espancá-la, quebrar seus pertences ou matá-la.
Os períodos em que estão longe do marido são aqueles considerados de maior tranqüilidade para a mulher, e são proporcionados, geralmente, por seu emprego, ou quando ele sai para trabalhar.



 O trabalho, para muitas mulheres, constitui-se em uma válvula de escape. Nele ela se sente importante e respeitada. Para aquelas que exercem apenas a função de dona-de-casa, a saída do parceiro representa momentos de liberdade, nos quais ela poderá assistir a seus programas preferidos, falar com amigos ao telefone e fazer suas atividades sem maiores cobranças.


Esta tranqüilidade, no entanto, acaba antes mesmo do marido retornar, já que a tensão se inicia até mesmo com a lembrança, com a expectativa de sua chegada.
A partir do momento de sua chegada, a casa passa a girar em torno das vontades dele.
Quando há uma dependência financeira da mulher em relação ao homem, seja pelo fato de ter se submetido à proibição de trabalhar imposta por ele, ou mesmo pela dificuldade ou comodidade de não ter um emprego, esta se torna obrigada a recorrer ao marido, sempre que necessitar de dinheiro, situação que favorece a violência, pois, em muitos casos, o homem utiliza seu poder econômico como forma de ameaçá-la e humilhá-la.



“Enquanto a mulher permaneceu sob a total dependência do homem, aceitou sua dominação absoluta.”

Ressalta-se que a violência psicológica, através de ameaças, é dirigida tanto à mulher como a outros membros da família, fazendo-se por meio de promessas de agressões e gestos intimidativos.
Uma característica comum àqueles que praticam este tipo de violência é a habilidade de encontrar o ponto fraco da mulher, que, em muitos casos, são os filhos, utilizando-os como alvo todas as vezes que desejar feri-la.
A violência física, em toda sua enormidade e horror, não é mais um segredo.
Porém, a psicológica, em função de não envolver danos físicos ou ferimentos corporais, ainda se mantém num canto escuro do armário, para onde poucos querem olhar.

Apenas muito recentemente, nota-se um movimento em direção à conscientização e reação por parte de algumas mulheres, confrontando esta modalidade sutil de violência perpetrada pelos homens com a conivência da sociedade machista.



É fundamental destacar que todo ato de agressão física é precedido de um histórico de violência psicológica que, por expressar-se de maneira menos perceptível, acaba não sendo facilmente identificada pelas mulheres.


Muitas vezes, inicia-se com uma pequena reclamação, mas, repentinamente, esta é substituída por ofensas, xingamentos, atingindo seu ápice com as agressões físicas.




Fonte:(http://www.araretamaumamulher.blogspot.com/)
  

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Denúncias de violência doméstica já crescem em toda a capital paulista

Mapeamento inédito revela explosão de registros com o avanço de serviços especializados; em 1
ano, vara pulou de 49 para 2.522 casos
Valéria França - O Estado de S.Paulo


Com base nas estatísticas de 11 fóruns regionais, uma pesquisa inédita mapeou pela primeira vez os índices de violência doméstica contra a mulher em São Paulo. A pesquisa encomendada pela juíza assessora da presidência da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo Maria Domitila Domingos mostra que este é um problema comum a todas as áreas da cidade - e não só às regiões mais carentes.
"O estudo reforça a necessidade de um trabalho mais especializado", diz Maria Domitila.Desde que a Lei Maria da Penha foi aprovada, em 2006, a Justiça ganhou instrumentos legais para combater esse tipo de crime. Muitos casos, no entanto, não chegam ao tribunal. Bem antes disso, ainda na delegacia, caem na vala comum dos crimes, e não raro são encarados como uma "briguinha de marido e mulher". "É um crime que
acontece dentro de quatro paredes e acaba sendo banalizado pela sociedade", diz a promotora Maria Gabriela Manssur. "Identificá-lo com rapidez pode significar salvar uma vida."
A preocupação da Justiça é evitar casos como o de Eliza Samudio, que em outubro de 2009 fez um boletim de ocorrência denunciando ter sido agredida e forçada a tomar remédios abortivos pelo então amante, o goleiro Bruno. Nenhuma medida legal foi tomada. Acusado de matar a jovem, Bruno foi condenado a 4,5 anos de prisão por lesão corporal, cárcere privado e constrangimento ilegal em dezembro do ano passado.

Especialização. "Os números reais da violência contra a mulher são superiores ao volume que chega à Justiça", diz Maria Gabriela. Há dois anos, no Fórum da Barra Funda, foi criada a primeira vara especializada, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. "Na época, questionava-se se haveria demanda que justificasse seu funcionamento", lembra a desembargadora Angélica de Maria de Almeida Mello, do Tribunal de Justiça de São Paulo. "Bastou criar um sistema especializado para as
denúncias surgirem."
Quando o serviço abriu as portas eram 49 casos. A vara fechou 2010 com 2.522 inquéritos e processos em andamento. Não por outra razão, o Fórum da Barra Funda aparece no mapa da violência como o campeão em volume de processos e inquéritos,seguido pelo Fórum de Santo Amaro, com 1.595, e Itaquera, 1.385.
Isso não quer dizer que a região do Fórum da Barra Funda seja a com maior número de vítimas, mas sim onde elas encontram recursos mais ágeis e específicos para seguirem com suas denúncias. Ali foi montada uma equipe multidisciplinar, com uma psicóloga e uma assistente social, responsáveis por analisar o caso e encaminhar a vítima e o agressor, quando necessário, para ONGs e serviços públicos, como grupos de
dependentes químicos e alcoólicos anônimos, entre outros. A vítima tem facilidades como o direito a um defensor público - e não apenas o réu. Além disso, a vara concentra os casos da região e de toda capital, quando graves, cujas vítimas correm risco de morte.
Há muitas mulheres que desistem da denúncia. Dependência econômica, pressão do companheiro, filhos e o envolvimento emocional pesam na hora de se defenderem na Justiça. "Não é um crime comum. O agressor é alguém íntimo da vítima", diz Maria Gabriela. No Fórum de Santo Amaro, apenas 30% dos inquéritos viram processos.
"Esse dado nem sempre avalia agilidade e êxito da Justiça", diz Aparecida Angélica Correia, juíza da 1.ª Vara Criminal do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Fórum Regional de Pinheiros.
Respeito. "As mulheres querem ser respeitadas. Elas chegam esperando uma ação rápida e eficaz da Justiça, mas nem sempre o processo é o melhor caminho, ao contrário, pode levar à perda do emprego do agressor, considerado muitas vezes bom pai, e piorar o drama familiar."
A juíza tenta resolver a situação com acordos provisórios. "Muitas brigas são motivada
pela separação dos bens", conta. Depois do acordo firmado, ela continua controlando o
desenrolar do caso para ver se medidas mais duras serão necessárias.
"Estamos vivendo uma mudança de mentalidade", diz o juiz Sergio Hideo Okobayashi.
"Hoje, nos BOs já existe espaço especial para a Lei Maria da Penha. Mas o machismo é
grande."

(O Estado de S. Paulo) Com base nas estatísticas de 11 fóruns regionais, uma pesquisa inédita mapeou pela primeira vez os índices de violência doméstica contra a mulher em São Paulo. O mapeamento revela a explosão de registros com o avanço de serviços especializados. 


Um exemplo é o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, primeira vara especializada criada há dois anos, no Fórum da Barra Funda. Quando o serviço iniciou, eram 49 casos. A vara fechou 2010 com 2.522 inquéritos e processos em andamento.

O Fórum da Barra Funda aparece no mapa da violência como o campeão em volume de processos e inquéritos, seguido pelo Fórum de Santo Amaro, com 1.595, e Itaquera, 1.385. De acordo com a juíza assessora da presidência da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo Maria Domitila Domingos, que encomendou a pesquis, a violência doméstica está presente em todas as áreas da cidade - e não só às regiões mais carentes.
"O estudo reforça a necessidade de um trabalho mais especializado", afirma Maria Domitila. Desde que a Lei Maria da Penha foi aprovada, em 2006, a Justiça ganhou instrumentos legais para combater esse tipo de crime. Muitos casos, no entanto, não chegam ao tribunal. Bem antes disso, ainda na delegacia, caem na vala comum dos crimes, e não raro são encarados como uma "briguinha de marido e mulher".

A falta de apoio especializado faz com que muitas mulheres desistem da denúncia principalmente por dependência econômica e por medo do companheiro.


violenciadomesticasp_estadosp04072011


matéria Estado de São Paulo de 04/07/2011.
(Fonte:www.agenciapatriciagalvao.org.br)